Escutatória: A escuta com amor
Durante toda minha trajetória pessoal e profissional sempre me impressionei com a incapacidade, cada vez mais acentuada, das pessoas ouvirem.
Apesar de parecer regra básica, vivemos em um mundo onde todo mundo quer falar, mas ninguém quer ouvir.
Faça uma análise rápida!!
Repare com atenção duas pessoas supostamente conversando. Embora estejam falando do mesmo assunto, elas estão ali fazendo verdadeiros monólogos. Cada uma fala de si. Frases que começam assim são típicas: ahh, mas eu então…; olha comigo é assim…; eu sou uma pessoa que faz assim…; sei muito bem como é, quando eu…
Agora, observe você mesmo interagindo com alguém. Quantas vezes você interrompe a fala do outro? Enquanto o outro fala você está atento ou está pensando no que vai falar na sequencia? Sempre tem uma boa dica ou conselho para dar pro outro?
Aposto que um sorriso de canto de boca apareceu enquanto você lia essa última frase não foi? Porque é assim que escutamos hoje em dia, você não é uma exceção, essa é a prática.
Estamos sempre apressados, focados em nós mesmos, desatentos e agindo no modo automático e com isso, perdemos a capacidade de observar e escutar.
Pra definir melhor o que é escuta com atenção eu gosto de usar o termo escutatória. Essa palavra não existe, pelo menos ainda, no dicionário, mas foi criada pelo mestre e escritor Rubem Alves.
Em seu célebre texto que leva esse nome, Rubem Alves ressalta a dificuldade que temos em ouvir com atenção e porque essa habilidade é tão importante.
Escutatória é mais do que ouvir om atenção. É ouvir com amor e com compreensão. Quando exercemos a escutatória, estamos inteiros, focados e dispostos a realizar a ação da escuta. Além disso e por isso, somos capazes de dar provas da nossa escuta pra o outro.
Segundo Julian Treasure, em seu famoso TED sobre como ouvir melhor, passamos 60% do nosso tempo de comunicação ouvindo, mas só retemos 25% do que foi dito. Obviamente esse número é uma média, pois conhecemos pessoas que passam 60% do tempo falando e não ouvindo, concorda?
Mas voltando, por que será que é então tão difícil escutar?
Em meu curso sobre escutatória eu listo 6 motivos, mas aqui vamos nos concentrar no que eu acho mais significativo. Que é o narcisismo.
Não escutamos o outro porque estamos cheios de nós mesmos. Nossos ouvidos estão presos ouvindo nossos pensamentos, nossos achismos, julgamento e crenças.
Achamos que somos mais interessantes e sábios que o outro e por isso, temos mais a dizer, a ensinar do que a aprender com o outro.
O outro serve só como depósito de mim mesmo. Eu falo, ele escuta e principalmente, não discorda.
Pensamos assim porque somos frágeis, acreditamos que ouvir o outro é dar voz a ele. É como se disséssemos para ele: “olha você é muito importante, por isso vou ouvir e levar em consideração o que você está falando”. Mostrar que esse outro é relevante afeta drasticamente nosso narcisismo e nos incomoda. Muitas vezes, chega a ser insuportável.
Para blindar então toda possibilidade do outro, eu nego que ele existe e não escuto nada do que ele tem a dizer.
A construção recente do excesso de individualismo que vivemos, nos levou a esse ponto. Por isso tão difícil lidar com as diferenças, por isso tanto radicalismo e extremismo.
Abraham Lincoln tem uma frase maravilhosa que diz:
“Eu não gosto muito daquele homem. Preciso conhece-lo melhor.”
O sentimento de que é ou EU ou você fez a gente não querer conhecer o outro, e isso serve para amigos e inimigos.
Quando a gente é capaz de escutar de fato o outro, a gente é capaz de compreender quem ele é realmente. E ai sim, ser empático e capaz de dialogar.
A falta de vontade de ouvir o outro tem gerado guerras e violência. De todos os níveis.
A maioria dos conflitos que se tem relato na história da humanidade poderiam ter sido evitados se os envolvidos tivessem dialogado. E se faz sentido para a humanidade como um todo, faz sentido para a NOSSA humanidade.
E é por isso que a escutatória se torna habilidade fundamental nos dias de hoje. No momento em que pessoas se tornam o centro das organizações, buscamos a valorização das nossas capacidades humanas. E saber escutar o outro está na base de todas elas.
Escutar requer prática e intenção. Aqui vão algumas dicas de como se tornar um melhor escutador:
- Primeiro, você tem que se tornar consciente da importância da escuta e querer mudar a forma como você se comporta.
- Depois, faça a sua parte.
Assim que você começar a trabalhar sua escuta, automaticamente você vai começar a cobrar do outro. Cobrar a escuta do outro. - Tenha sempre em mente que você está dando para receber depois. Que o ganho da escuta é seu.
E que você vai contaminar e contagiar o próximo fazendo a sua parte. - Comece analisando a forma como você escuta, como você entra em um diálogo.
- Comece devagar. Inclua inicialmente alguns minutos na sua rotina para ouvir alguém com a intenção da escuta. Vá aumentando gradativamente esse tempo. Sempre que terminar de ouvir, faça um resumo do que ouviu, demonstre para o outro que você de fato ouviu e compreendeu o que ele quis dizer.
A prática da escuta vai te trazer conhecimento e muito aprendizado. Isso eu posso garantir!!